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Antes de sair da cama, a Menina já sabia se tinha Sol ou cacimbo. O Sol não esperava que lhe abrissem a porta para entrar! Apertava-se, para caber, e entrava pelas frinchas, muito estreitinho e doirado.
Não vinha só; trazia consigo muitos milhões de pequeninos seres misteriosos que sabiam fazer habilidades e davam que pensar.
A Menina gostava de os ver: pendurados no ar, sem se agarrarem a nada, mexiam devagarinho, como quem se aquece ao sol! Não eram todos iguais: havia-os do tamanho de uma ponta de alfinete e outros chegavam a ser tão compridos como a unha do seu dedo mindinho; uns eram direitos, outros curvos. Mas eram todos magrinhos e pareciam todos feitos de teias de aranha.
O mais espantoso é que eles sabiam brincar: se a Menina chegava ao pé deles e lhes soprava, eles fugiam e escondiam-se no escuro, para logo voltarem, irrequietos, a desafiá-la. se agarrava numa almofada e lhes batia, apareciam muitos outros (que vinham defendê-los, certamente).
De onde vinham aqueles bichinhos? A Menina não sabia o que escolher: era bom pensar que eles vinham lá de fora, com o Sol, cheios das novidades da manhã; mas quem sabia se eles não estavam lá dentro, espalhados pelo quarto todo e corriam para o Sol, logo que ele entrava?
De onde quer que viessem, do Sol é que eles gostavam. Do Sol...e da Menina. Se não fossem amigos, não vinham brincar assim diante dela, mesmo a desafiá-la para brincar também. Se não fossem amigos, eles deixavam-na entrar na brincadeira? Concerteza que não.
Eles vinham até de propósito para a Menina! Vinham de toda a parte, de fora e de dentro de casa, e esperavam que ela acordasse para brincarem no raiozinho de Sol...
Mas seriam mesmo bichinhos? Não; os bichos, por mais pequenos que fossem eram maiores. Aquilo era outra coisa com vida, sem ser bicho.
- Papá, quem são estas coisinhas que andam a passear ao Sol, dentro de casa?
Era pó! Primeiro, a Menina admirou-se muito. O pó que ela conhecia costumava estar parado em cima das coisas e só saia quando se limpava. Mas logo descobriu que havia dois pós: o pó morto, que estava em cima das coisas, e o pó vivo, que andava no ar e gostava de se aquecer ao Sol e de brincar com ela...
Por isso , ás vezes, quando estava sozinha e aborrecida, a Menina chamava:
Pó! Vamos brincar!
Fechava uma janela e, no raiozinho de Sol que cabia na frincha, o pó começava a brincadeira.
Pó vivo, que brincaste comigo em tantas manhãs de Sol! Qundo foi que tu morreste, Pó?
ZeliaN
Naquelas manhãs de Vento Norte havia mais que o murmúrio das vagas do Mar. Mais perto, junto à casa da Menina, ouvia-se um rumor diferente: a voz da Casuarina (A Casuarina ficava no Norte da casa e era a única árvore do Deserto - única e muito amada).
Quando acordava com o seu lamento - um gemido embalador e triste - a Menina sorria e tinha vontade de chorar: a Casuarina dizia-lhe qualquer coisa. Mas o que é que dizia a Casuarina? Era uma voz tão diferente das vozes que conhecia!...
A Menina levantava-se, afrontava o Vento forte do Deserto e ia ter com ela. Olhava, com estranheza, para aqueles ramos que se torciam com o Vento; e aquelas agulhas verdes a tremer... (- "Ela sente!...").
Menina de Mar e Deserto não se cansava de olhar para a sua árvore. Orgulhava-se dela (mais ninguém tinha nenhuma!), queria-lhe bem; mas a árvore tinha qualquer coisa de estranho que fazia doer: aquela Casuarina era a presença inquietante de um mundo ausente e desconhecido. Fazia ter saudades e receios não se sabia de quê!
ZeliaN
Na relva molhada a menina roda e roda.
Rodopia de braços abertos . Ora olha para o céu ora para a sua saia empolada.
Saia colorida, com flores em croché ou eram balões estampados?
Mãos pequenas. Pés pequenos. Barriga redonda. Um umbigo lindo.
Com a cabeça almareada de tanto vento fazer, a criança deita-se no chão.
Sonha acordada diz a gente em voz pequena. É disparatada, desparafusada ...um caso serio de pirolitos a menos. Pobres pais da menina que dança ao vento.
Não sabe que existe o dia e a noite, isso não importa! Não sabe que as arvores tem nome, nem de resto sabe o nome de todas as coisas, isso também não importa!
Não sabe que existe a lei da vida, não sabe das leis dos homens. O verbo não existe, nem Deus. E isso não importa!
O mundo não se diferenciou, ela é parte do mundo, ela é parte do universo. Apenas isso importa!
Maria João
Segundo revista da especialidade o amor é como a varicela. Se já se teve em pequenino, não se volta a apanhar.
Aos 8 anos de idade foi brindada, pela primeira e única vez, por uma serenata. O jogral era um miúdo, do famoso bairro da pia à porta, conhecidos pelo facto confirmado de ter uns pirolitos a menos. Chamava-se Zé, teve um futuro promissor como ladrão especializado em várias artes do gamanço.
No seu horizonte romântico, surgiu aos 10 anos, o Pedro. Um caso único de esquizofrenia em tenra idade, dizia ser o Napoleão e ela, amada Julieta. O romance não correu bem por conta de um violento combate de gravilha no recreio da escola.
Aos 12 anos, mais coisa menos coisa, surgiu o Celso, um rapaz pragmático e de ideias bem substanciadas, sonhava casar e ser futebolista. Como prova da sua paixão, pegou fogo ao cabelo da sua amada durante uma aula. Pela primeira e única vez na vida, ganhou o cabelo ondulado que tanto almejava, apenas na nuca o que lhe dava um ar muito faschion.
O pai, que observava de longe o cortejo de seres raros escolhidos a dedo pela sua filha. Profetizou: Está miúda é melhor ficar quieta que não acerta uma. Mais vale arranjar um animal de estimação.
Anos passados, cão e gata como pertença, a profecia auto realizou-se.
Maria João em recobro
Devido ao acesso de uma crise de dislexia aguda provocada por um erro ortografico grave que me fugiu entre o teclado, sim que eu não erro apenas dou erros de ortografia. Decidi comunicar apenas por imagens, videos ou musicas.
Após uma semana impar de demonstrações da unicidade e quiçá grandeza da alma lusa. Auscultei as profundezas do meu ser (inebriante) e conclui: Em mim, também, palpita um pequenito guerreiro lusitano e uma patriótica padeira de Aljubarrota, talvez os dois escondidinhos, em alegre brincadeira, atrás das luzes provocadas pela intensa actividade das minhas sinapses. Sim, eu também sou Portugal!
Maria João
Ao fundo o som de um martelo em fúria. A minha Tia é uma artista, faz jóias absolutamente fantásticas. Imagino-a de óculos de soldador em cima do cocuruto.
A sua imagem de marca são os óculos. Tem uns de escafandrista para cortar cebola e outros do estilo o diabo veste brada que lhe dão inegável charme.
Tinha interrompido o seu processo criativo com mais um dos meus telefonemas existencialista:
- Tia, não estou bem! (voz alucinada)
- Que se passa João! (verbo de uma paciência milenar)
- Estou angustiada, muito angustiada…Qual o significado da vida? (clamor de alucinada carpideira num remoinho de um ataque de nervos)
- João, o significado da vida é não ter significado nenhum! (voz calma de sapiência secular com uma pitadinha de riso)
- O meu Pai disse o mesmo! (tom impaciente)
- É uma resposta completa e profunda! (nota dita em riso secular)
- Pelo amor da santa, quero algo mais! Não pode ser como a porca com orelhas. (tom em riso de alivio de quem encontrou o pé no mar alto)
A porca com orelhas é algo que se deve ter em casa pelo menos em número par, fundamental para resolver situações de emergência. Tal desiderato foi criação da minha Tia, trata-se por tanto de um dogma familiar.
- Tu pensas demais, a maioria das pessoas passa uma vida santa sem questionar nada. Tens de simplificar!
- A Tia acredita em algo?
- Acredito. No ácido acetilsalicílico, panadol e na rena! (voz de riso de menina traquinas)
- A rena?
- A rena Rodolfo do Pai Natal, só essa!
Maria João